O Arauto da Discórdia

A jornada para Volotar

Volotar é o país mais ao norte do mundo, da mesma maneira que é coberto de gelo, é coberto de pobreza e insignificância. É a casa de montanhas mais altas do que os instrumentos de medição possam cotar, dizem que o sol só aparece de tempos em tempos e que é tão frio que nem os gigantes de gelo conseguem se instalar, hoje o mundo caminha em direção a esse pedaço de terra vazio e gelado.

A exatamente 2 anos o mundo presenciou um terrível evento, um dragão cinzento foi até o palácio do rei de Camelot e falou sobre um grande caos que iria atingir o reino dos homens em pouco tempo, ainda pediu para que todos se preparassem para uma grande guerra. O caos se estabeleceu em todos os países, muralhas foram construídas nas fronteiras, qualquer sinal de traição não foi perdoado, reis enlouqueceram com a sombra das conspirações e se tornaram verdadeiros tiranos, grandes exércitos impossíveis de se pagar foram criados e como consequência a pobreza atingiu todos os povos.

A alguns meses um reluzente portal surgiu nas montanhas no extremo norte de Volotar, nas noites olhando ao norte é possível enxergar as luzes que são emitidas por ele, a cada dia que se passa o portal aumenta de tamanho. Os homens mais corajosos agora marcham em direção ao portal, desde aventureiros em busca de fama e fortuna a magos e sacerdotes tentando entender a natureza do misterioso portal. As fronteiras dos países estão todas lotadas da maneira mais caótica que se pode imaginar, porém, muitos já chegaram até la, em baixo do portal está sendo construída uma cidade, magos construindo torres, oportunistas trazendo o comércio e loucos fazendo andaimes mais altos do que se pode segurar. A algumas semanas ha um novo boato vindo de Volotar, um boato que agora fez com que uma massa diferente migre para o norte… “Há ouro caindo do portal!” é o que dizem, e é o milagre que os pobres e famintos estavam esperando, “Rumo a Volotar!” é o que as tavernas ecoam na terra, “Rumo a Volotar!” é a canção nos navios piratas, “Rumo a Volotar!”, é onde começa essa fantástica história…

Ato I – Nas Margens do Naran

É manhã, o sol se mostra poucas vezes quando as nuvens o revelam, não esta quente como nos outros dias desse mês e o maior som que se ouve é o do rio Naran que se estende a leste daqui, as arvores dançam com o vento gelado da manhã e os pássaros cantam a canção do alvorecer.

— Urghot, viu algo diferente pela madrugada? Diz Baharash levantando da simples cabana que montara essa noite.

—Só mais do mesmo, a grande estrada estava cheia, parecia dia, pessoas de todo tipo aproveitando que os bastardos do império reduzem os soldados na madrugada.

Urghot é um meio orc de aparência capaz de causar pesadelos nas crianças das capitais douradas de Anthorium, aderiu o seu lado feroz e selvagem, natural dos orcs, ele foi criado numa pequena tribo na região do braço e desde novo sabe manusear uma espada como se fosse um habilidoso soldado das cidades dos homens. Junto a ele está Baharash, um ser digno de atenção, pois sua raça não é comum nos dias atuais, ele é uma espécie de lagarto com uma ancestralidade dracônica, suas escamas são vermelhas e grossas, tem uma estatura grande e um físico que traz vantagem em qualquer combate corpo a corpo, apesar de tudo Baharash traz em suas vestes roupas que dizem totalmente o contrario de sua aparência física, roupas azuis e brancas com um brasão sagrado no peito, ombreiras simples de metal com adornos dourados e um talismã de cobre, de longe qualquer pessoa o julgaria um clérigo ou sacerdote, o que talvez não seja uma mentira pois o pouco que Baharash conta sobre o seu passado é sobre um monastério e uma missão divina que o foi concedida.

Eles desmontam o primitivo acampamento em que passaram a noite e começam a andar em direção norte, desde que se uniram combinaram de evitar grande estrada real, pois devido a lotação poderiam encontrar diversos problemas com os viajantes e soldados do império que por mais que tentem não conseguem controlar as multidões, juntos eles já viram grandes tumultos e batalhas nas estradas, assim como fazendeiros buscam chegar a Volotar, grandes magos e guerreiros também.

Urghot e Baharash se conheceram a pouco tempo, em Nalan uma grande cidade nas encostas das montanhas de mesmo nome, é uma cidade diferente do comum, foi construída a pedido da guilda dos mercadores do Braço a três décadas, logo é uma cidade nova e ainda está em construção, a estrada do rei passa no meio da cidade e corta as montanhas, antes era uma região perigosa, da capital mais próxima, Indra, vindo do sul eram meses de viagem, Nalan foi uma jogada de economia que favoreceu toda Ilidan. Baharash encontrou Urghot numa emboscada nas vielas das partes mais pobres de Nalan, eram bandidos de Anor, um conhecido malfeitor de Ilidan, ele derrotou os bandidos com apoio de Urghot e juntos formaram uma aliança pois tinham o mesmo objetivo, chegar a Volotar.

É aproximadamente meio dia, os dois agora chegaram as margens do rio Naran para reabastecer os cantis e preparar algo para o almoço.
— Não temos provisões o suficiente para Indra, isso me preocupa, a fronteira estará caótica daqui a um mês, e pelos rumores o Império desistiu de prevalecer suas boas relações com o rei de lá— Diz Baharash já coletando gravetos para iniciar uma fogueira.

— Em Nalan vi os mapas na loja de um mercador, se desviarmos meio dia daqui chegaremos a uma pequena vila, dois dias de lá fica a famosa Fubeth, mais conhecida como “Porto Carvalho”.

— Porto Carvalho? Já ouvi histórias sobre o pequeno inferno sem lei que os piratas montaram por lá, tem certeza disso Urghot?

— Chegar a Volotar de navio é uma boa ideia desde que o navio não seja seu, deveríamos arriscar paladino, e acho que Fubeth precisa ouvir a palavra de seu Deus já que é uma cidade pecaminosa “hahaha”.

Urghot termina de gargalhar e imediatamente anda em direção ao rio para matar sua sede, se ajoelha e coloca a mão sobre a fria agua que vem do norte, faz uma concha com a mão e se põe a tomar.

Uma grave voz então vem do outro lado do rio
— Os homens que andam por Fubeth não tem preparo algum para a travessia gelada, sua maioria morre na intensa luta contra o gelo ou desiste no meio do caminho — Baharash se levanta e saca sua espada curta de ferro, ao mesmo tempo Urghot coloca levemente uma mão sobre o cabo de um dos pequenos machados e continua a beber a agua do rio.

Baharash então fala em tom imponente:
—Apareça das sombras homem! Tenho bons modos e não matarei uma silhueta.

Após um silêncio de tensão, das sombras do outro lado do rio surge uma figura amedrontadora, em passos longos e lentos um homem que mais se assemelha a um gigante surge, tem cerca de dois metros, pele branca como o âmbar antigo, não possui cabelo apenas uma barba negra com algumas tranças, seu olhar é intenso e penetrante com olhos negros dignos de um espectro da noite.

— Os navegadores de verdade se encontram nos portos brancos de Camelot, e mesmo assim não vale a pena a grande viagem de navio, pois há mais chão do inferno branco ao portal do que indo por terra…

O misterioso grande homem diz essas palavras, Urghot ao ver a figura saindo das sombras cai de costas e rapidamente levanta sacando seus dois machados, ele fala:

— Vejo que tem um bom conhecimento dessas terras, apesar de parecer com um tribal do gelo — Diz Urghot após ver as vestes de couro negro e peles brancas protegendo quase todo o corpo do grande homem.

— Já estive em Volotar uma vez, agora estou voltando para lá, o sul me mostrou que os ventos gelados são mais favorecedores aos pensamentos de paz e harmonia… Aliás meu nome é Floki, e fiquem fora do meu caminho!

Nesse momento, do oeste se ouve grandes estrondos mágicos, em seguida um feroz rugido, Baharash se vira e diz:

— Veio da estrada! E está correndo em nossa direção!

Arvores se quebram e o chão vem se estremecendo no ritmo das ferozes pegadas de alguma criatura selvagem que vem na direção dos três que ali se encontram, Urghot mergulha no rio e Baharash fica em postura ofensiva de batalha, mais uma vez estrondos mágicos como de um trovão flamejante estoura no meio da vegetação e mais um rugido furioso é ouvido por Floki e Baharash.

— Corra lagarto idiota! Isso é um Tordês, vai te transformar em uma pilha de ossos em instantes! — Grita Floki do outro lado do rio em postura de ação.

— Veremos se ele é capaz! — Grita Baharash.

Como uma explosão de bola de canhão dos navios da Britânia surge um grande Tordês do meio da floresta, em chamas.

— Mas que por… — Fala Baharash enquanto toma uma carga do Tordês em chamas que corre em direção ao rio destruindo toda a vegetação a sua volta, o Tordês é uma espécie de tartaruga antiga, possui o tamanho de um elefante de Aranab e uma pele grossa como rocha.

— Não o ataquem! Ele não faz por mal! — Diz uma voz jovem e determinada vinda do caminho destruído.

— O Demônio que vai em cima dele causou isso! — Continua a voz cada vez mais próxima, da poeira surge então um magro elfo de vestes de couro e um cajado de madeira bruta cheia de nós, seu rosto é amigável e não parece representar nenhuma ameaça. O Tordês entra no rio que cobre parcialmente seu casco cheio de pontas, o suficiente para apagar as chamas que o consumiam, de cima do Tordês pula um homem encapuzado para as margens do rio e antes mesmo de tocar o chão é pego por Urghot, que num piscar de olhos sai do mergulho e agarra o homem com um bote digno de uma serpente.

— Onde pensa que vai desgraçado? — Grita Urghot com uma fúria nos olhos.

— Está atrapalhando minha caçada Orc, esse monstro já tem dono! — Diz o homem encapuzado, que, aos poucos a luz do sol vai revelando sua face.

— Mas de que buraco do Abismo veio você? — Diz Urghot num tom espantado.

No mesmo momento Baharash levanta parcialmente o Tordês que ruge com ódio nos olhos bestiais.

— Não matarás o guia da luz divina fera infernal! — Diz Baharash emergindo do rio e levantando a lateral da fera.

— Gostei desse lagarto! Esse é o espirito! — Diz Floki empunhando uma de suas longas espadas de ferro rustico.

Floki então corre na direção do Tordês e com uma só mão ajuda Baharash a se salvar da correnteza, quando vai golpear o Tordês vinhas mágicas surgem das costas dele e prendem a própria mão da espada de Floki, o Elfo então grita:

— Não será necessário! eu tornarei a fera um aliado! — Diz isso enquanto pula para o casco do Tordês, um salto digno de um atleta circense, da margem do rio até o casco sem nenhuma dificuldade, a fera começa a se virar em direção aos homens na margem do rio, os olhos do Elfo brilham em cor verde palavras antigas na língua dos druidas começam a ser proferidas. O homem encapuzado se revela um tipo de demônio com feições humanas, uma raça antiga e amaldiçoada pelos demais mortais, um Tiefling.

— Me largue Orc imundo! Antes que eu te faça em cinzas! — Diz o Tiefling colocando a mão sobre um grande livro que carrega na lateral de sua túnica.

— Eu pagaria para enfrentar um demônio! Será uma honra carregar sua cabeça e esses chifres que vem nela por ai! — Diz Urghot em tom sarcástico e soltando o Tiefling no chão.

— Lembre-se de quem te matou maldito, meu nome é impronunciável na língua comum, então me chame de Sparkles! O mago! — Suas mãos se enchem de fagulhas de fogo e os dois se encaram por um curto tempo, logo percebem que atrás deles está acontecendo uma grande batalha contra o Tordês, Baharash e Floki golpeiam e são golpeados enquanto o Elfo grita maldições contra eles e ordena para que a fera corra dali.

A fera ruge com a fúria da natureza em seu pleno resplendor, Floki e Baharash se afastam com guarda alta, logo Urghot e Sparkles correm na direção deles e se unem a formação, o elfo desiste de apaziguar a fera e percebe que será inútil o esforço, pula para trás dos quatro homens.

— Vamos mostrar para essa fera o que é poder… — Diz Baharash abrindo um sorriso amedrontador, Floki da uma gargalhada e Urghot diz:

— Um pouco de diversão meu amigo, só não é melhor que uma boa taverna quente cheia de meretrizes hahaha! — Enquanto diz isso ele remove suas pequenas bolsas com ouro e itens de valor e arremessa para trás, logo todos os outros fazem o mesmo, e se armam com tudo que possuem, Sparkles diz:

— Essa é minha presa seus vermes!

— Eu fico com o casco! — Diz Floki começando a avançar em direção ao Tordês.

— Os dentes e a carne são minhas e do Urghot — Diz Baharash num passo apressado para frente.

— Não se eu matar primeiro! — Grita Sparkles enchendo sua mão de fagulhas elétricas e com os olhos brilhando.

Logo todos avançam contra a fera, Floki acerta golpes extremamente violentos na fera, Baharash e Urghot retalham a pele e Sparkles a queima com correntes elétricas poderosas e com um som ensurdecedor.

Quando reparam a fera já está morta, e os guerreiros que lutaram na frente estão cobertos de sangue.

— Ei idiotas! Da próxima vez deixem seu ouro nas cinturas! hahaha — Diz um homem em cima de um grande tronco no topo de uma arvore na beira da clareira em que se encontram.

— Maldição! Devolva isso ladrão miserável ou eu juro pelas montanhas do inferno branco que arrancarei seu braço! — Diz Urghot enfurecido.

— Devolver? Até onde pode provar que isso era seu? A única coisa que você deveria se preocupar era com esse seu cheiro de estrume de cavalo orc imundo hahahaha! — Diz o homem ainda na árvore.

— Ah! já ia me esquecendo! Obrigado elfo, esse amigo não relutou em entregar tudo em minhas mãos, vejo que ainda há pessoas com um bom coração em Ilidan, mas, já me prolonguei muito, adeus e boa jornada a Volotar para vocês! — O homem ia dizer mais alguma coisa quando Floki Arremessa uma pedra do tamanho de um barril na árvore, foi a deixa do homem para fugir da arvore, e de galho em galho desapareceu.

Antes de qualquer coisa Baharash guarda a espada e anda em direção ao elfo.

— Qual o seu nome protetor da fera? — Pergunta Baharash em um tom calmo.

— Raedryn, sou um elfo druida das grandes florestas sagradas de Antyer, e você, como se chama mestre lagarto? — Diz Raedryn.

— Eu sou Baharash, não sou um lagarto, sou um draconato, e Antyer? Nunca ouvi falar nessa floresta, fica no Braço?

— Sim ela se estende por quase todo o sul do Braço, éramos um grande reino a muitas gerações atrás, hoje só sobrou ruínas do que nossa gloriosa história po… — Nesse instante Baharash pega o elfo pelo pescoço e diz:

— Vira conosco até acharmos o maldito ladrão, com certeza vai ter a chance de contar sua história

— Vamos Floki, temos umas moedas a recuperar — Diz Urghot rangendo os dentes.

— Não acredito que terei que me unir a essas bestas — Diz Sparkles em um tom baixo e de raiva.

E em fileira conversando sobre assuntos totalmente desligados do que acabara de acontecer seguem os homens, desaparecendo por dentre as grandes árvores, ali estava formado, um pequeno grupo, improvável como qualquer um outro que se une nas estradas da grande migração para o norte, mas com um destino que mudaria o mundo.

Ato II – Sentinelas ao Sul

Com o som dos galhos dançando com a brisa do alvorecer gelado Mariann acorda, se senta lentamente na cama improvisada e observa ao seu redor, a vegetação de Ilidan é escura como a das florestas do norte, não há arvores frutíferas como no sul e menos ainda o calor, porém, não está frio o suficiente para nevar. Mariann é uma mulher jovem, de cabelos escuros e olhos azuis, seu rosto aponta cansaço porém exala uma grande seriedade, seu olhar é profundo e parece estar sempre pensando em assuntos distantes, e distante é uma boa definição para a atual situação, pois o que uma mulher faria em uma floresta fria no meio de Ilidan?

— Porque não me acordaram antes? — Pergunta Mariann com uma voz rouca pois acabou de acordar.

— Está cansada Mariann, pode dormir mais um pouco se quiser, a ultima guarda foi sua.— Diz uma voz masculina grave que vem acompanhada de passos na vegetação atrás de alguns troncos nodosos.

— Deveríamos sair antes do alvorecer…

— Lembre que estamos aqui por alguns pássaros que não voltaram da migração… Isso é ridículo!

Juntamente da afirmação, Mariann vê claramente quem a diz, é Kjartan, um de seus companheiros. Kjartan é um homem que se misturaria bem com os das grandes cidades do norte, tem uma barba que chega ao peito e não possui um fio de cabelo na cabeça, leva algumas cicatrizes no rosto que marcam um passado de batalhas duras e nem se estivesse nos níveis mais profundos do Abismo tiraria suas peles de animais, que envolvem sua cota de malha e espeças placas de aço que ficam entre sua vida e a lâmina de seus inimigos.

— Quando fala assim parece que Pendan o obrigou a seguir esse caminho Kjartan!— Diz uma voz masculina e mais jovem de cima dos dois presentes ali.

— Oh, mil perdões meu príncipe, não queria chateá-lo com meu toque de bom senso logo pela manhã… — Diz Kjartan.

— O que faz ai em cima Loretis? — Diz Mariann.

— Comprovando mais uma vez que algo terrível está acontecendo no Braço! — Diz Loretis descendo da grande árvore.

Loretis é um homem de cabelos longos e pretos, seu rosto é jovem e mostra uma confiança digna de poucos, seus olhos são castanhos e sua barba é pequena comparada á de Kjartan, veste roupas de couro reforçado de ótima qualidade e leva consigo uma espada curta com adornos de prata e ouro.

— Finalmente estamos chegando a algum lugar alto em Ilidan, a ultima vez que vi o horizonte ao sul foi na Borda Negra, estava me sentindo preso nessas florestas escuras.

— E o que conseguiu ver? Estamos perto de Nalan? Viu a grande torre na montanha? — Diz Mariann com certa ansiedade.

— Não vi Nalan, mas… Descobri que Pendan estava certo — Diz Loretis com o olhar sério — A migração já passou daqui a semanas, pelos meus cálculos as estradas estariam cheias por pelo menos mais dois meses, o ultimo rastro de pessoas vindas das grandes rotas do sul tem uma semana…

— Isso tem uma explicação bem óbvia meu amigo, o Império está sendo eficaz no seu controle de passagem — Diz Kjartan.

— Impossível Kjar, Não há como controlar um continente inteiro de desesperados. — Diz Mariann.

— Entendo, mas ainda existe um mundo no sul, o Braço é um continente rico e quente, cheio de frutas e especiarias de Aranab, isso sem contar com os empregos nas capitais — Diz Kjartan.

— Não se vê mais Tardastran, a protetora do sul… Há uma nuvem ao fundo, quase não se percebe, mas parece uma terrível tempestade, porém, não há ventos favoráveis a isso — Diz Loretis.

— Devemos soltar um alerta para os outros, Lyndah e os outros estão a uns dois dias daqui, foram procurar informações em Nalan, já era para ser possível ver a torre na montanha, estamos bem atrasados — Diz Kjartan.

— Vamos, arrumem tudo e procuremos um lugar de visão para o sul, soltaremos um alerta para Lyndah e reuniremos informações — Diz Mariann já reunindo alguns itens do acampamento improvisado.

E juntos caminharam por mais dois dias em direção ao sul, a floresta era silenciosa como uma raposa, apenas ventos cantavam entre os galhos fazendo a dança das folhas acontecer em um ritimo que trazia paz aos corações dos viajantes, por algumas vezes cruzaram trechos da estrada do rei mas sempre evitavam, por mais que nenhuma pessoa era vista tinham receio de espiões do império ou problemas maiores.

—Vejam, é a grande torre de Nalan!— Diz Kjartan apontando para o sul.

Loretis e Marieann estavam logo atras e ao escalar a pedra que Kjartan estava, conseguiram observar ao longe quase no horizonte a grande torre de pedra, os olhos de Marieann brilharam ao ver aquele simbolo do reino dos homens, era deslumbrante ver no meio de tanta floresta e algumas montanhas uma grande torre de pedra, chamando todos os viajantes para seu encontro.

—Atentem-se ao que vou dizer… Marieann e Loretis, vivi o suficiente para saber sentir o mundo a minha volta, podem julgar superstição ou não, mas não sinto nada de bom vindo daquele lugar, é a primeira vez desde que saimos de Angersif que sinto isso, talvez Pendam não estava enganado…— Diz Kjartan apertando seus cintos e amarrando fortemente suas luvas.


—Não entendo Kjar, estamos perto de chegar e descansar um pouco, não se tira conclusões de tão longe— Diz Marieann com uma face de dúvida.

—Kjar está cansado Ann, Nalan possui boas camas e hidromel por minha conta, isso não o anima velho?— Diz Loretis em tom bem humorado.

—Vocês são dois jovens teimosos e cheios de energia hum? Mesmo se eu insistisse mil vezes ainda teriam dúvidas sobre meus pensamentos… Vamos seguir, acredito que em um dia ou dois ja estaremos por la— Diz Kjartan ja descendo dali.

Seguiram floresta abaixo, andaram até o sol se esconder no horizonte que agora ja era visivel, atrás deles era possivel ver o grande tapete verde escuro das arvores nortenhas sem neve por cima das folhas, e a frente grandes clareiras se extendiam entre grupos fechados de arvores com colorações que variavam de verde claro a marrom, o som que enfeita o ambiente é o do grande rio Naran nesse trecho, ele se extende até as montanhas que ficam ao oeste de Indra a capital de Ilidan, com partes largas como os grandes lagos do sul até partes finas como ranhuras na terra.

—Kjar… Ann está com bolhas terriveis nos pés— Diz Loretis em um tom de cochicho perto de Kjartann. —Ela não vai aceitar parar por isso e você sabe, vamos parar e amanhã continuaremos— Continua Loretis.

—Loretis, percebi em você uma grande preocupação com Ann desde o dia em que a reencontramos… É o que estou pensando?— Questiona Kjartann com um leve sorriso no rosto.

—Parece que não escondo bem meus sentimentos então… Sim Kjar, essa mulher é… Não sei muito bem, ela é forte e destemida como poucos guerreiros, isso me atrai bastante— Fala Loretis abaixando o rosto com uma pequena vergonha.

—Eu vi Marieann crescer em Angersif, era uma pirralha teimosa e encrenqueira nas ruas, até que um dia ela roubou uma bolsa de nada mais nada menos que Pendan Eres, era em uma taverna no distrito da prata, Não demorou até se surpreender com a presença de Pendam em cada esquina que ela se escondia… Ele a recrutou para ser assistente pessoal, ela começou entregando cartas ao regente e aos lideres de bando da armada cinzenta, logo ja conseguia realizar seus primeiros feitiços e dominava a espada melhor do que Lyndah a filha do regente. Marieann hoje ja carrega cicatrizes de batalhas árduas contra os cultistas de Ghustyria no norte e os aliados de Fanhord nas praias do oeste, você ainda é um desconhecido para a gente com todo respeito Loretis…— Diz Kjartan enquanto caminha.

Loretis abaixa a cabeça e segue por alguns minutos ao lado de Kjartan, até que ele para e enfia seu grande machado no chão.

— Vejam, há uma clareira aqui! Passaremos o fim da tarde e a noite, ao amanhecer partiremos—.

Kjartan então avisa que vai colher galhos para uma fogueira, Mariean e Loretis sentam-se e começam a tirar os utilitários das bolsas para o acampamento improvisado.

—Sobre o que falava com Kjar? Vocês não costumam dar muitas palavras, não mais que o necessário pra dois seres sociáveis— Diz Marieann rindo.

—Kjar me contou uma história dos homens do norte, a história de uma poderosa guerreira…— Diz Loretis enquanto tira algumas ervas de um pote. — Agora cuidaremos de tirar essa bota e tratar dessa ferida senhorita guerreira do norte— Continua.

— Ei, não acredito que falavam de mim seus traidores!— Diz Marieann rindo e meio envergonhada.

Ao tirar a bota direita de Marieann Loretis ve a situação terrível do pé da moça, as bolhas estavam em carne viva e mesmo assim não ouvia nenhuma reclamação.

— Ann? Como não disse nada sobre isso? Está sério e pode até virar uma infecção!— Diz Loretis muito preocupado.

— Não é nada, deveria se preocupar mais com você… Sei me cuidar sozinha— Diz Marieann puxando o pé para colocar a bota novamente.

— Não mesmo! Eu cuidarei disso agora mesmo que crave essa espada em mim!— Diz Loretis segurando a canela da moça fortemente, o que gera uma expressão de susto nela.

Loretis então começa a passar as ervas e falar em alto élfico, é uma canção que Marieann não entende, não há dor mesmo Loretis passando a mão de maneira forte nos ferimentos, logo ela percebe a água e as plantas, o vento e as pedras, como se tudo estivesse parado ouvindo Loretis, ela então entra em um transe e só consegue observar a boca do rapaz soltando aquelas palavras que em sua concepção eram palavras de cura e paz. Ao terminar, Marieann volta a si e percebe Loretis caído na margem do rio, suado e ofegante, do seu nariz escorre um pouco de sangue e seu corpo está trêmulo e frio.

— Loretis! me responda!— Clama Marieann desesperada puxando o corpo do rapaz que esta meio na água meio nas pedras.

— Kjartan! Kjartan!— Grita a mulher, e das arvores surge Kjartan com seu machado.

— Onde estão Ann, diga!— Grita Kjartann nervoso.

— Me ajude! Não tem inimigos, ele começou a cantar em élfico e logo estava caído aqui!—.

Kjartan corre até eles e joga o machado de lado.

— Tolo, não se deve sair falando a língua das árvores por ai!—.

Eles tiram a armadura de Loretis e o apoiam em uma pedra até que ele volta a si mesmo, sorrindo diz com dificuldade:

— Está melhor Ann?— .

Marieann nem percebia que estava descalça, ao olhar para o pé vê que está totalmente curado, sobrou-lhe algumas manchas vermelhas mas nada comparado ao que estava antes.

— A língua dos elfos foi feita para os elfos Loretis, você nem deveria saber como falar isso, não é todo dia em que se vê alguem falando a língua de Gildrean… Poderia ter morrido por isso sabia? Deixe de ser tolo e preserve sua vida!— Diz Kjartann claramente furioso com o rapaz, Marieann logo o defende:

— Kjar! Não o julgue assim, ele o fez por mim, eu estava com problemas no pé, sei que não precisava de tudo isso mas ele fez para o bem!—.

Kjartan pega seu machado e começa a fazer uma fogueira, Marieann cobre Loretis que em alguns minutos passa a dormir, coloca alguns alimentos ressecados em uma panela com água e começa a preparar um ensopado. A noite cai e Loretis é acordado por Kjartan.

— Coma um pouco, usou muita energia rapaz… Me desculpa por mais cedo, mas saiba que deve-se poupar o maximo de energia.—

— Eu que o peço desculpas Kjar, não quero ser um fardo, muito pelo contrário, quero ajudar o maximo que puder— Responde Loretis ja se alimentando.

Marieann vem do escuro com o cabelo ainda molhado e com roupas de trapos, Loretis percebe que sua armadura está perto do fogo, a moça então se senta ao lado de Loretis e diz:

— Obrigado por hoje Loretis, eu estava preocupada com a situação do meu pé a algum tempo, não queria que notassem…—.

— Ann… Ainda que tente eu vou saber se precisar da minha ajuda.— Responde Loretis sorrindo.

Kjartan se levanta e diz:

— Onde aprendeu a falar como os antigos donos dessas terras, não se ve um alto elfo andando por ai normalmente, ainda mais um disposto a ensinar pessoas comuns como nós, eles geralmente ficam escondidos nas ruínas sagradas deles e não aceitam o mínimo de proximidade—

— Eu nasci e fui criado em Thanet Kjar, a vila mais proxima do Eldrani, esquecida por Ilidan mesmo os regentes sendo parentes diretos da familia real— Diz Loretis com um tom de seriedade.

— Thanet, os traidores do exercito de deus, incrível como esse mundo é pequeno— Responde Kjartan.

Marieann então diz:

— Como um povo pode carregar um fardo de traição por um ocorrido de mais de dez mil anos atrás?—.

— São diferentes Ann, eles são humanos que se relacionaram com os elfos, tem sangue dos habitantes de Gildrean neles, vivem mais de um século e tem uma certa facilidade com magia, o problema é que fizeram uma enrrascada para os retornantes da ultima investida de Arthur, no Eldrani mataram mais de mil homens que estavam a caminho de Volotar, os que sobraram foram trancados no vale, Pendam ja me contou essa história quando passavamos perto daquelas montanhas negras— Diz Kjartan.

— Kjar isso é passado! O rapaz só esta tentando nos ajudar— Diz Marieann.

— Ele tem razão Ann, meu povo agiu de maneira desonrosa no passado, mas isso ja foi apagado pelo tempo, ja se passaram tantas gerações que nem sabemos de um fragmento da história que não seja distorcido, e não, meu povo não vive mais de cem anos, isso é um mito Kjar, se houve sangue elfico em nossas veias ja se apagou, só sei algumas canções pois na biblioteca da nossa vila estudei muitos pergaminhos que foram encontrados nas ruínas do povo de Gildrean, eles eram traduzidos para três linguagens da antiga linhagem de Camelot, com um pouco de esforço consegui aprender… feridas se fecham, frutos aparecem e tudo em volta responde para a vontade da vida, mas custa tanta energia que pode te matar em um piscar de olhos… É isso apenas— Diz Loretis sério.

— Bom.., A primeira vigilia é minha, mesmo assim deixem as armas proximas, caminharei um pouco— Diz Kjartan enquanto sai para o meio das arvores.

Marieann apaga o fogo e se deita ao lado de Loretis, ela o encara um pouco e logo cai no sono, com um leve sorriso no rosto.

Ato III – Gondorath e o rio de conflitos